domingo, 31 de agosto de 2008

Olho d'água

A nascente apareceu repentina ao pé da cama. Irritou-se a princípio, tanta água estragando o sinteco. Nem identificou a poça, constante apesar de panos e baldes.

Logo teve que se convencer. Água surgia do cimento, taco, sem que cano algum passasse nas vizinhanças. Era a benção de uma fonte.


Banhou-se então seguidas vezes na água milagrosa. Ao entardecer despia-se, levantava a água nas mãos em concha e a despejava sobre o corpo. Não tornava a vestir-se. Deitava nua na cama, lavadas as carnes, preciosa a pele. E com mãos suaves alisava o corpo santo, acariciava-se em redescoberta de amor. Suspirosa adormecia seu sono de festa. Aumentando a água, infiltrou porém no teto do vizinho. Que houve por bem reclamar com porteiro síndico polícia, comparecendo o bombeiro a mando da lei para, cimento e brocas, acabar com o estranho surgimento.

Ao entadecer brilha seco o sinteco. Mas do umbigo, fresca e clara, água brota alagando o ventre, lavando as carnes brancas sobre a cama.



Marina Colasanti

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